sábado, 6 de novembro de 2010

Africa do Sul são muitas Africas

 


Uma única sexta-feira (05/11) na cosmopolita Joanesburgo, cidade da Africa do Sul onde o Projeto Panáfricas cumpre o último roteiro desta primeira viagem a África, pode revelar diferentes surpresas e emoções. O relato é um pouco extenso, dada a intesidade de experiências vividas em um único dia: 

Pela manhã, filmávamos no centro econômico da cidade, entre edificios modernos e a arquitetura operária londrina, quando um protesto chamou nossa atencão. Funcionários do Call Center de diversos orgãos governamentais, demitidos da empresa que terceiriza o serviço, foram para as ruas protestar. Com cartazes, vuvuzelas e palavras de ordem, os jovens manifestantes circularam ruas do centro e pararam em frente a sede da Administracao Distrital (espécie de sub-prefeitura ou governo regional). Foi então que o ato de protesto, que parecia igual a outras reivindicações pelo mundo, ganhou seu diferencial africano. Os manifestantes passaram a cantar e a dançar de forma divertida e sicronizada. Parecia que brincavam, mas o canto, nas línguas seshoto e zulu, trazia mensagens politicas digiridas aos governantes. Um espaço foi aberto no centro da manifestação e as jovens exibiram suas danças – uma delas chegou a rolar pelo chão. Uma cena singular. 


Essa liberdade de expressão, os negros sul-africanos somente conseguiram com o fim do regime segregacionista de apartheid, em 1994. Antes disso, o país pertencia a minoria branca que ditava leis e excluiam a população negras de direitos fundamentais, como circular pela cidade. Havia espaços definidos entre brancos e não brancos nos serviços públicos, no transporte, na praia e até nas igrejas. Essa triste história está contada em imagens e textos no Museu do Apartheid, em Ormonde, próximo a Soweto. Ícone da luta pelos direitos humanos no mundo, o distrito de Soweto possui mais de um milhão de moradores – quase a metade da população de Joanesburgo. Suas ruas e casas foram cenários da resistência ao apartheid. Lá está a Casa de Nelson Mandela, primeiro presidente da África do Sul após o fim do regime segregacionista e artífice da integração que impediu o acirramento de conflitos entre negros e brancos no país. Em Soweto também é contado um outro tristes capítulo da historia da Africa. Em 1976, cerca de dez mil estudantes realizavam um protesto em Soweto contra o descaso com as escolas negras, quando foram repreendidos brutalmente pela polícia. O resultado foi a morte de quatro estudantes, incluindo o jovem Hector Pieterson de apenas 13 anos. Uma foto do jovem sendo carregado por amigos e um museu, instalado bem no local do conflito, impedem que moradores e visitantes esqueçam essa história. 

Após 16 anos do fim do regime de apartheid as crianças negras de Soweto podem sorrir e fazer sorrir quem vem conhecer a história do lugar. Nesta sexta-feira fomos recebidos por dezenas delas vestidas com roupas exageradas e divertidas. Meninos vestidos de menina e meninas fantasiadas de adultas. Cantavam, brincavam com quem passava e mostravam pequenos potes para receberam moedas pelos gracejos. Pelo que nos informaram, a brincadeira se repete todas as sexta-feiras de novembro. 

A noite em Joanesburgo ainda nos guardaria mais surpresas. Próximo a Soweto, no distrito de Lenasia, a aquipe do Panáfricas participou de uma celebração hindu. Lenasia reúne a população de origem indiana de Joanesburgo, grupo étnico significativo na África do Sul – em uma cidade como Durban, a comunidade indiana chega a 30% da população. A noite de sexta-feira marcou o fim de mais um ciclo anual para os hindus, que celebram a chegada do novo ano com a Festa das Luzes – Diwali. Muita queima de fogos, casas iluminadas e um grande encontro no Templo. O som dos fogos e da animação nas casas nos remeteu à noite de São João nas cidades do Nordeste brasileiro. Assim como Soweto era o bairro reservado aos negros, durante o apartheid, Lenasia mantinha a populacao indiana bem distante do centro de Joanesburgo. Quem nos convidou a conhecer Lenasia foi nosso amigo Stephen, cuja saga da sua família de origem indiana merece um post específico. 

No Templo, os hindus revelavam a todos os interessados a beleza e riqueza desta cultura milenar. Cores e brilhos, em altares, nas roupas e nos acessórios femininos. Na entrada do salão principal diversos pratos com comidas eram dedicadas aos deuses. Recebemos pintura na testa – representando o terceiro olho - e fita no pulso, além de sermos convidados a derramar água na cabeça da deusa Shiva, como uma prece. No Templo haviam muitos símbolos e rituais simultaneos. Difícil apreender tudo em uma única visita, mas o suficiente para perceber as semelhanças com as religiões tradicionais africanas, com seu grande número de deuses, os alimentos como oferenda, o poder sagrado feminino, além de gestos semelhantes, como bater a cabeça no chão em sinal de respeito a um mais velho. São práticas que se modificaram ao longo dos tempos, mas que possuem a mesma origem ... o solo africano. Namaste!!! Axé!!!

Tudo isso é a África do Sul! São as Áfricas!

André Santana

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Memorial Kwame Nkrumah e o pensamento panafricano



Nosso ultimo dia em Gana, 1º de novembro, foi dedicado ao pensamento e a ciencia produzidos no pais. Logo cedo, visitamos o belo campus da Universidade de Ghana, em Legon. Estivemos diante de uma imagem pouco exibida sobre a Africa: dezenas de estudantes de diversos cursos, como tecnologia e ciencias politicas, circulando entre predios bonitos e espacos arborizados. Na universidade, filmamos uma roda de dialogo entre a professora Akossua Adomako Ampofo, diretora do Instituto de Estudos Africanos, a professora Esi Sutherland-Addy e a graduanda Aseye Tamakloe. A conversa foi mediada pela mestranda em Ciencias Sociais, Rosana Chagas, e teve como temas os direitos das mulheres na Africa, alem de poligamia, machismo e homossexualidade. 


A tarde, visitamos o Memorial Kwame Nkrumah, no centro de Accra, onde esta o mausoleo do primeiro presidente do pais e de sua esposa, a egipcia Fathia Rizk. Soubemos pelo professor Carlos Moore que o casamento de Nkrumah foi uma estrategia politica. Com o matrimonio, ele queria unir a Africa subsaariana – a Africa negra – com a porcao arabe do continente, cujo mais importante pais eh o Egito. Fathia Rizk tornou-se uma grande companheira do marido e defensora do Pan-africanismo. Tanto que ao morrer em seu pais natal, em 2007, deixou um testamento pedido para seu corpo ser levado a Gana onde deveria ficar ao lado do corpo do marido, morto em 1972. 

No Memorial Kwame Nkrumah, o professor Carlos Moore nos concedeu uma excelente entrevista, revelando todo o pensamento que norteou a trajetoria de Nkrumah, sua referencia nas ideias de Marcus Garvey e W.Du Bois, sua coragem diante da Inglaterra ao levar Gana a torna-se a primeira nacao independente da Africa, em 1957, com impacto em todo o mundo, mas principalmente no continente negro, pois a partir de Gana, outros paises africanos conquistaram a independencia do poder colonial. O governo de Nkrumah, que durou ate 1966, deixou marcas definitivas no pais, ao investir em educacao, infra-estrutura e desenvolvimento e ao atrair cientistas e pensadores do mundo inteiro, que atenderam ao chamado de Nkrumah para quem Gana deveria estar aberta a todos os negros do mundo. Nao eh por acaso, entao, a efervescencia academica que vimos na Universidade de Ghana.




Carlos Moore deixou um recado para as novas geracoes de descendentes africanos espalhados na diaspora: “Voltem seu olhar e sua atencao a Africa, berco da humanidade. Todos os descendentes da Europa, buscam suas raizes, buscam seu passado. Os Judeus fazem o mesmo. Nos, africanos, filhos da diaspora, temos que nos voltar ao nosso passado, conhecer o que realmente aconteceu na Africa e como podemos fortalecer este continente. Sem a Africa, nao ha futuro na humanidade”.